Uma referência mundial
Uma sentença corrente no Brasil diz que este é
um país que pouco prestigia sua memória. E quando
o faz, tende a privilegiar a narrativa histórica pelo
ponto de vista daqueles que dominam os processos de comunicação
e de produção. Esta biblioteca virtual, ao contrário,
pretende ser um espaço para preservar um dos mais significativos
momentos da trajetória da mobilização
social da área de saúde, o movimento da reforma
sanitária, através de um de seus atores principais,
o médico sanitarista Sergio Arouca.
Não foi uma tarefa fácil elaborar o ensaio biográfico
que aqui é apresentado como aporte à base de
dados que começou a reunir e pretende cada vez mais
ampliar os documentos que contemplam a vida de Arouca. Era
difícil dizer quando estávamos diante do sanitarista,
do professor, do pesquisador, do parlamentar, do ocupante
de cargos no Executivo ou apenas do cidadão comprometido
com a vontade de tornar o Brasil um país mais justo.
Apenas uma questão estava sempre cristalina: em todos
esses cargos e atividades, Arouca buscou vincular-se sempre
com as propostas de democratização da sociedade
brasileira na defesa de que todo cidadão tenha direito
à saúde. Saúde não só como
assistência médica no momento adequado e com
a qualidade necessária, mas também como uma
série de condições para que a população
não adoeça - reforma agrária, educação,
lazer, liberdade, condições de habitação
dignas, transporte etc.
Por isso, esta biblioteca virtual pretende ser, antes de tudo,
um ponto de encontro para aqueles que se interessam pela necessidade
de construção de um sistema que assegure a todos
amplo acesso à saúde e que resgate capítulos
importantes do movimento social brasileiro. Pois são
estes os principais legados do sanitarista - como ele gostava
de ser chamado - que desenhou utopias, obteve conquistas para
a área de saúde, admitiu posições
equivocadas no campo político e comandou a modernização
e a democratização da Fiocruz.
Mas quem foi esse homem múltiplo que aglutinou em torno
de si um grupo de pessoas que colocou a reforma sanitária
no centro da discussão da vida pública brasileira?
Arouca nasceu em Ribeirão Preto e formou-se médico
pela Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo
(USP) em 1966. Como consultor da Organização
Pan-Americana de Saúde (Opas) Arouca atuou em vários
países: México, Colômbia, Honduras, Costa
Rica, Peru e Cuba. Professor concursado da Escola Nacional
de Saúde Pública (Ensp) da Fiocruz, lecionou
alguns anos até ser convidado a trabalhar com o governo
sandinista da Nicarágua.
Nesse período, iniciou seus laços com o sistema
de saúde cubano, assessorando-o tanto na formação
de recursos humanos quanto no desenvolvimento de programas
assistenciais. Voltou ao Brasil em 1982, quando foi eleito
chefe do Departamento de Planejamento da Ensp.
Em 1985, foi indicado como candidato à Presidência
da Fiocruz por um movimento da comunidade de Manguinhos, por
uma frente suprapartidária, reforçada pelo então
secretário-geral do Ministério da Saúde,
Eleutério Rodriguez Neto, e pela médica sanitarista
Fabíola Aguiar Nunes. Esse movimento ultrapassou as
fronteiras da Fundação e tornou-se um movimento
nacional, conseguindo a nomeação para presidente
da instituição em 3 de maio de 1985.
Durante a sua gestão, Arouca preocupou-se com a democratização
da Fiocruz, recuperando a associação de funcionários
e promovendo eleições diretas para a sua diretoria.
Modernizou a administração, estabelecendo mecanismos
de gestão colegiada e participativa e nomeando diretores
eleitos pelas unidades. Criou o Conselho Deliberativo da Fiocruz
como instância máxima de deliberação.
Em sua gestão, recuperou o prestígio da instituição
no campo da pesquisa científica e do desenvolvimento
tecnológico, que também se notabilizou por ter
sido a instituição de ponta na formulação
e discussão da política de saúde. Arouca
presidiu a 8ª Conferência Nacional de Saúde,
em 1986, a primeira que conclamou o usuário a debater
o tema. Nesse período foram realizadas pré-conferências
em todos os estados. Os resultados da Conferência subsidiaram
o texto da saúde na Constituição Federal,
em 1988.
Como presidente da Fiocruz reintegrou os dez cientistas cassados
pela ditadura militar, no episódio conhecido como "Massacre
de Manguinhos".
Foi também, em 1987, secretário de Estado da
Saúde do Rio de Janeiro. Foi escolhido por unanimidade
pela plenária de entidades de saúde para apresentar
a defesa da emenda popular à Assembléia Nacional
Constituinte. Ocupou a Presidência da Fiocruz até
abril de 1988, quando exonerou-se, a pedido, para concorrer
como vice-presidente da República na chapa do PCB,
com Roberto Freire.
Foi ainda candidato a vice-prefeito do Rio de Janeiro na chapa
de Benedita da Silva. Arouca foi deputado federal por oito
anos e ocupou diversos cargos em comissões de saúde,
ciência e tecnologia, sempre na defesa da modernidade
e interesse do trabalhador. Arouca também foi secretário
de Saúde do Município do Rio de Janeiro no ano
de 2001.
Foi coordenador do programa de saúde de Ciro Gomes
(PPS) na eleição para Presidência da República
em 2002 e no segundo turno se incorporou à campanha
de Lula. Assumiu em janeiro de 2003 a Secretaria de Gestão
Participativa do Ministério da Saúde e foi nomeado
para a coordenação-geral da 12ª Conferência
Nacional de Saúde e para ser o representante do Brasil
na Organização Mundial de Saúde (OMS).
Era casado com a sanitarista Lúcia Souto, ex-deputada
estadual pelo PPS no Rio de Janeiro, e deixou quatro filhos:
Pedro, com a sanitarista Anamaria Tambellini, e as meninas
Lara, Nina e Luna, com a sanitarista Sarah Escorel. Por toda
a sua produção científica e a liderança
conquistada na construção do Sistema Único
de Saúde (SUS), Arouca virou uma referência mundial.
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