“O Sergio tinha uma inesgotável capacidade de amar e de ser amado”, a frase de Claudinei Nacarato, amigo dos tempos de movimento estudantil, resume de maneira simples a imagem generosa e solidária deixada por Arouca em todos aqueles que o conheceram na intimidade. Mas como esse traço característico de sua personalidade influenciou na formação do sanitarista, comunista e político que marcou a história da Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz) e do próprio Brasil? Para tal, é necessário retornar à cidade de Ribeirão Preto dos anos 50 e 60.
Arouca nasceu em 20 de agosto de 1941. Filho de um funcionário público e de uma dona de casa, o menino conhece um Brasil que saíra da 2a Guerra Mundial ao lado dos vencedores. Sob a batuta populista e nacional-desenvolvimentista de Getúlio Vargas, estava então mergulhado num mundo dividido entre o capitalismo norte-americano e o comunismo soviético e transpirando efervescências políticas.
Para qualquer jovem nascido nesse tempo, o país era ambiente perfeito para suscitar sonhos e idealismos. Nesse contexto, o primeiro contato marcante de Arouca com a política se dá ainda na infância, quando o jovem menino com seus 11 ou 12 anos fazia de tudo para ir à sapataria de um velho imigrante italiano chamado Mantovani. Lá, junto à meninada, escutava longas teorias e histórias sobre anarquismo, sindicalismo e comunismo. “Eu sempre inventava algum defeito em meus sapatos só para ouvir o velho Mantovani”, conta Marco Antônio Barbieri, também amigo de infância de Arouca.
Aos 15 anos, já aluno do mais prestigioso colégio local, o Otoniel Mota, Arouca iniciava suas atividades no grêmio. Junto a outros alunos, não perdia as manhãs de sábado, quando acontecia o “parlamento estudantil”. Idéia de um de seus professores, o parlamento, batizado com o nome do poeta Olavo Bilac, tinha por objetivo reunir os alunos e fazê-los simular julgamentos, ler e discutir sobre os temas da época, tais como a nacionalização da exploração do petróleo, o analfabetismo, o êxodo rural, a miséria do povo e outros problemas que já indignavam o jovem Arouca.
“Por que eu sou de esquerda? Porque eu sou um revoltado”. A frase, criada pelo próprio Arouca nos anos 60 para explicar sua opção pelo comunismo, e surpreendentemente reutilizada em debates de sua campanha à Vice-presidência da República, em 1989, explica o que empurrou o menino para as trilhas do comunismo. Já aos 15 anos, ele começa a militar no antigo Partido Comunista do Brasil (PCB), clandestino na época.
Entre parlamentos estudantis e reuniões do PCB, Arouca ainda encontrava tempo para participar de uma sociedade secreta chamada CAL (Centro dos Amigos da Literatura). Formada por ele e outros poucos, o CAL não podia ser revelado nem para as namoradas. “Naquela época, por demonstrarmos tal sensibilidade, tínhamos o medo bobo de sermos considerados homossexuais”, descreve Sérgio da Fonseca, um dos antigos membros e primo de consideração de Arouca. “Cada um incorporava um grande autor. Eu era Machado de Assis, o Sergio era Mário de Andrade”, completa. E assim, os meninos discutiam literatura, liam versos e apresentavam redações.
O tempo de escola acaba, mas Arouca ainda retornaria triunfalmente décadas mais tarde. Em sua campanha a vice-presidente em 89, fez questão de passar por Ribeirão e mais que pela cidade, em falar para os alunos de seu ex-colégio. Marco Antônio Barbieri, que na época lá trabalhava, diz que lembra ainda hoje da imagem de Arouca estático, parado em frente ao portão da escola. Não entrava. “Que foi Arouca, está cansado? Por que não entra?”, perguntou ele. E ele então responde: “Não é isso não. É que o badalar da igreja, todo caminho que fiz de minha casa até aqui… tudo isso é demais para o meu coração”, os olhos marejados.