O então presidente da Fundação Oswaldo Cruz, Sergio Arouca, tomou posse na Secretaria de Estado de Saúde e Higiene do Rio de Janeiro no dia 16 de março de 1987 com o objetivo de implantar a reforma sanitária no estado. Em seu discurso de posse, Arouca disse que a área da saúde se transformara em um mercantilismo selvagem. “A vida passou a ser uma mercadoria de baixo preço”, dizia ele.Antes mesmo de assumir o cargo, o sanitarista anunciou que iria desembarcar com toda sua equipe na Baixada Fluminense para começar a implantação da reforma sanitária naquela região, uma das mais carentes em termos de serviços de saúde. Outra proposta era a democratização do sistema de saúde no estado, com a criação de canais de efetiva participação da população, através de associações de moradores e outras entidades.
Entre as personalidades presentes à posse de Arouca estavam o autor Aguinaldo Silva e o ator Marcos Frota. Convencido da importância da reforma sanitária, Aguinaldo criou o personagem de um sanitarista, vivido por Frota, em sua novela O Outro, que iria estrear naquele mês na Rede Globo.
Um mês antes de assumir a secretaria, Arouca apresentou sua proposta para o plano de saúde do Estado do Rio de Janeiro. O documento fazia um diagnóstico sobre a situação da saúde naquele momento, citava as principais medidas para a implantação da reforma sanitária no estado e determinava metas para os primeiros cem dias na secretaria.
No diagnóstico, Arouca e sua equipe apontavam as três principais causas de mortalidade geral no estado do Rio de Janeiro: as doenças do aparelho circulatório, as mortes violentas e acidentais e o câncer. Entre as crianças de 1 a 4 anos, 10% dos óbitos eram provocados por doenças passíveis de serem prevenidas por vacinas. O estado apresentava níveis elevados de tuberculose e um aumento progressivo do número de casos de hanseníase, poliomielite e dengue.
A Aids também era uma importante preocupação. Em 1987 não havia uma estimativa precisa do número de pessoas infectadas com o vírus HIV no estado do Rio de Janeiro. Cerca de 50% dos casos notificados já haviam se convertido em óbitos. A situação era preocupante também pelo reduzido número de leitos especializados e pela deficiente vigilância epidemiológica e sanitária, que não controlava a qualidade do sangue doado.
Quanto aos serviços de saúde, ele constatou que a rede pública – constituída pelas unidades do Instituto Nacional de Assistência Médica da Previdência Social (Inamps), da Secretaria Estadual de Saúde e Higiene e das secretarias Municipais de Saúde – era a maior do país, mas se distribuía de forma irregular. A maior parte dos serviços de saúde ficava localizada no município do Rio de Janeiro, verificando-se escassez e até ausência de oferta em diversos municípios, especialmente na Baixada Fluminense, São Gonçalo, Região Serrana e Norte Fluminense. No próprio município do Rio essa distribuição se repetia, com concentração de serviços nas zonas Centro e Sul e carências em outras áreas, como na zona Oeste. Já a rede privada, representada por clínicas e hospitais, era extensa, particularmente nas periferias urbanas, focando sua atuação no atendimento materno.
Para levar a reforma sanitária ao estado do Rio de Janeiro, Arouca se baseou nas idéias defendidas na 8ª Conferência Nacional de Saúde, de onde foram tirados os princípios básicos do Sistema Único de Saúde. Dentro desses princípios organizativos, os estados ficariam responsáveis pela coordenação das ações de saúde, pela prestação direta apenas daqueles serviços cuja abrangência extrapolasse os limites geográficos e epidemiológicos de um ou mais municípios e pelas unidades de maior complexidade organizacional (de referência estadual). Os municípios ficariam responsáveis pela prestação direta dos serviços de saúde, por meio dos distritos sanitários, que são as menores unidades territoriais do estado onde é possível estabelecer um compromisso de cobertura assistencial com a população residente.
A partir dessas medidas, o Rio de Janeiro passou a ser o primeiro estado do Brasil em que a reforma sanitária começava a ser implantada. Pela primeira vez o estado puxava a responsabilidade. Desde o início, Arouca deixava claro que seu compromisso era com a mudança. “A gente não está assumindo essa responsabilidade para melhorar o que está aí, estamos assumindo para mudar”, declarava aos jornais.
A secretaria passa a centrar seu foco na prevenção. O surto de dengue ocorrido no ano anterior levou Arouca a desenvolver uma campanha preventiva centrada nas associações de moradores. Pessoas foram contratadas como agentes comunitários de saúde e mata-mosquitos, e especialistas cubanos vieram ao país com o objetivo de mobilizar a população e contribuir na área de epidemiologia. Era uma mobilização inédita no país. A equipe de Arouca fez reuniões em favelas, igrejas e associações de moradores. Aonde chamassem, eles iriam para falar de prevenção. Pela primeira vez, as informações sobre prevenção de dengue chegavam à população.
A luta pela qualidade do sangue foi também uma das mais marcantes na secretaria estadual. Arouca queria que fossem exigidos exames prévios para os doadores de sangue e combatia seu comércio ilegal. Essa política de enfrentamento, inédita no país, foi marcada pelas blitzes nos bancos de sangue do estado, que permitiram o fechamento daqueles que apresentavam condições precárias de instalações, desrespeitando procedimentos éticos e técnicos e mantendo arquivos de doadores soropositivos por Aids, hepatite, Chagas e sífilis. Nessa época, existiam 130 bancos de sangue legalizados no estado. Todos deveriam prestar mensalmente informações sobre o número de doadores, o volume de sangue coletado e processado e o volume de sangue desprezado, entre outras.
Membros da equipe de Arouca chegaram a receber ameaças de morte. Mas diversos fatores impulsionavam o enfrentamento. Entre eles, o impacto causado pelo crescimento da epidemia de Aids no país, e o poder de liderança de pessoas públicas, como o sociólogo mineiro Herbert de Souza, o Betinho, que denunciavam a transmissão da doença pelos bancos de sangue. Com menos de dois anos de mandato, Arouca conseguiu diminuir o comércio de sangue em 95% no Rio de Janeiro.
Apesar de seus esforços na secretaria estadual de saúde, Arouca deixava claro, em todas as suas declarações, que não abriria mão da presidência da Fundação Oswaldo Cruz. Quando sua ausência passou a ser questionada na Instituição, ele optou por deixar o cargo de secretário, ficando apenas como presidente da Fiocruz.